Apesar de terem nascido ou sido criados no Japão, muitos jovens que hoje vivem no Brasil, encontram dificuldades quando tentam se mudar para território japonês. A barreira vem da ascendência. Bisnetos de japoneses (os yonsei), quando maiores de idade, como Lidiane Harumi Fernandes, não conseguem visto de longa duração. Isto porque a reforma da Lei de Controle da Imigração do Japão, promulgada em junho de 1990, determina que só podem trabalhar no país, os japoneses e seus cônjuges ou descendentes até a terceira geração (sansei).
Lidiane faz parte do grupo seguinte. A estudante de 18 anos nasceu em Isesaki (Gunma) e frequentou escola japonesa até os seis anos, quando foi levada para o Brasil. A saudade do país natal e o atual cenário sócio-econômico brasileiro só aumentam a vontade de retornar ao Japão. "Eu quero ter uma vida melhor, ter meu trabalho valorizado. Comprar bens sem ter medo de ser assaltada a cada esquina, estudar num país que está sempre no topo do ranking de educação e onde sei que os impostos pagos terão retorno", diz ela.
Como Lidiane, há centenas de outros yonsei esperando pela liberação do visto de longa duração para viver no Japão. São tantos, que eles resolveram compartilhar as dúvidas e os desejos em grupos no Facebook e WhatsApp. De modo informal, três anos atrás Cori Passos, da agência shigoto.com.br, também resolveu participar do movimento dos yonsei dando assessoria técnica.
Ele identifica três tipos de yonsei no Brasil: o que nunca veio e não fala japonês; o que morou quando criança e aqui aprendeu o idioma, e um terceiro grupo formado por brasileiros que nasceram no Japão e dominam o nihongo.
Não há dados exatos sobre nikkeis da quarta geração. Os números que existem são de dez anos atrás, quando se estimava em 1,5 milhão de japoneses e descendentes vivendo no Brasil. Desses, 12,51% seriam issei (imigrantes nascidos no Japão), 30,8% nissei (filhos desses japoneses), 41,33% sansei (netos) e 12,95% yonsei (bisnetos, dos quais 61%, mestiços).
Quem defende a entrada do yonsei no Japão argumenta que, com o envelhecimento e morte das primeiras gerações, as novas gerações poderiam ocupar inclusive as vagas de trabalho e ajudar o país a lidar com a falta de mão de obra. Afirmam ainda que, além de numericamente em expansão, muitos nikkeis da quarta geração nasceram ou estudaram neste país.
É o caso de Luiz Henrique da Silva Andrade, de 22 anos. Ele viveu nove anos no Japão, onde frequentou até o chuugakko em uma escola de Toyohashi (Aichi). Só voltou ao Brasil porque a família sentiu os efeitos da crise financeira de 2008. "Na época, eu era dependente da minha mãe", lembra.
A volta ao Brasil com 14 anos não foi fácil. "Demorei cerca de dois anos até me adaptar com o ambiente turbulento do Brasil. Hoje sou formado em Engenharia Eletrônica e tenho um petshop, mas gostaria de retornar pela tranquilidade e respeito que o Japão tem com os cidadãos", diz Luiz Henrique.
Os pais dele não pensam em retornar ao Japão, mas para Luiz Henrique o país foi fundamental na formação dele como adulto. Porém, a vivência e os estudos no Japão não têm convencido o governo a aceitá-lo de volta, por se tratar de bisneto e maior de idade. "Como eu, muitos yonsei sonham em retornar ao Japão para dar continuidade na sua vida. Eu ainda não consegui me adaptar ao Brasil: tudo incomoda, da poluição visual, sonora, à falta de educação e disciplina", desabafa.
Terra dos bisavós
No caso de Suelen da Silva Moraes, se o visto fosse liberado seria o primeiro contato dela com a terra dos bisavós. Essa yonsei de 19 anos trabalha em São Paulo como depiladora e designer de sobrancelha, e sempre ouviu o pai falar sobre o Japão.
Ele morou e trabalhou por sete anos na região de Tóquio, enquanto a mãe ficou no Brasil cuidando dos três filhos do casal. A ideia do pai era trazer toda a família para o Japão, mas encontrou resistência da esposa, que tinha receio de onde deixar as crianças enquanto estivesse trabalhando na fábrica. Agora Suelen quer desbravar sozinha o país dos ancestrais. "Acho que nós, da quarta geração, merecemos isso. Além do mais, a liberação do visto não apenas nos favorece, como também o Japão que sofre com a falta de mão de obra. Gostaríamos de trabalhar pelo crescimento do país. E não há nada melhor do que sermos pagos com segurança, educação e valorização, ou seja, com qualidade de vida", diz a outra yonsei, Lidiane.
A vontade desse pessoal de vir ao Japão é grande. O volume de consultas que Cori Passos recebe de yonsei tem aumentado proporcionalmente à crise no Brasil. Só que no desespero, ele diz que muita gente estaria desperdiçando dinheiro em estratégias ineficazes, já que a regra é clara: hoje, o yonsei só pode solicitar o visto de longa duração se vier junto ou tiver os pais já residindo no Japão. Também é preciso ser menor de idade e dependente dos pais. Se estiver em idade escolar, precisará ainda apresentar comprovante de reserva de matrícula em escola no Japão. E olha que essa é apenas uma parte dos documentos exigidos, pois a lista aumenta se for mestiço yonsei.
Segundo Cori Passos, há casos de yonsei com idade entre 9 e 25 anos vindo sozinhos como turistas, pensando em depois fazer a alteração do status do visto aqui. "Isso não dá resultado", afirma. Outro exemplo, também frustrado, é o de pessoas que pedem a parentes no Japão para conseguirem o Certificado de Elegibilidade (Zairyu Shikaku Nintei Shomeisho) na Imigração. Porém, esse documento não tem garantido ao yonsei a liberação do visto pelos consulados japoneses.
No Brasil, em diversas ocasiões o deputado federal Walter Ihoshi (PSD/SP) tem comentado sobre o visto para yonsei e dito, inclusive, que a causa teria o apoio do atual ministro das Finanças e ex-premiê Taro Aso (que também presidiu a Liga Parlamentar Japão-Brasil). O parlamentar brasileiro espera manter contato com grupos que defendem a quarta geração, na próxima visita que realizar ao país.
Despreparo do Japão
Na opinião de Cori Passos, a morosidade teria dois motivos. O primeiro está relacionado à segurança financeira do yonsei numa eventual crise econômica. Também pesa contra, a falta de uma política para atender um repentino aumento de trabalhadores latinos (como aconteceu nos anos 90, com o início do fenômeno dekassegui). Ao liberar a entrada do yonsei e seu cônjuge, o Japão poderia enfrentar aumento exponencial de imigrantes, pois há muitos outros países além do Brasil que também seriam atingidos pela medida.
Para não haver precedentes, os consulados japoneses não se dobram aos argumentos. Para pedir o visto, a mãe de Lidiane escreveu uma carta explicando que a filha era dependente dela e não tinha com quem ficar no no Brasil. "Minha mãe explicou os planos, que seriam dela e meu padrasto trabalharem e eu estudar. Disse também que quando eles fizessem horas extras, eu estaria em casa para cuidar do meu irmão de 7 anos". Nada disso convenceu os burocratas, nem as quase cem fotos que a família anexou ao pedido.
O Consulado do Japão em São Paulo liberou o visto para a mãe, o padrasto e o irmão, mas não para Lidiane. "É triste vê-los partir e ter que me separar deles assim, tão precoce. Voltar para o Japão e viver com minha família ainda é um sonho, e quando se trata de sonho, desistir não é uma opção", diz Lidiane. "Quantas mães estão no Japão, divididas entre um sonho e a saudade dos filhos que têm de ficar aqui. Minha família é só mais uma."
Fonte: IPC Digital / Super Vitrine